terça-feira, 29 de janeiro de 2013

‘A juventude é a primeira a pagar a conta’


Presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), a socióloga baiana Ângela Guimarães considera que não é possível discutir desenvolvimento sustentável sem uma representação dos mais de 1 bilhão de jovens que vivem hoje no mundo. Atual secretária-adjunta da Secretaria Nacional de Juventude da Presidência da República, Ângela tem uma trajetória que reúne militância no movimento estudantil e defesa pela implementação de políticas públicas para as mulheres, juventude e população negra. Nos corredores do Riocentro, ela falou à Radis sobre suas expectativas com a conferência e alertou que a juventude é quem paga o preço mais alto cobrado pelo atual modelo hegemônico de desenvolvimento, que tem no mercado o seu motor.

Por que incluir a juventude na discussão sobre desenvolvimento sustentável?
Foto: Lucas P. Grynszpan
É uma questão estratégica, já que estamos falando de um contingente de 1 bilhão e 800 milhões de pessoas em todo mundo. Nenhuma discussão sobre desenvolvimento pode prescindir desse público, pelo seu peso demográfico e pelo seu peso social, econômico e político. Em relação ao peso econômico, por exemplo, estamos vivendo no Brasil o momento de maior presença de jovens; um boom demográfico, com maior contingente da população disponível para ajudar na produtividade, com menos pessoas dependentes, menos crianças e menos idosos. Além disso, no que diz respeito às desigualdades sociais, a juventude é a primeira a pagar a conta — também em escala global. Estamos vendo a situação da juventude nos países europeus, com um índice de desemprego enorme, beirando 50%, como na Espanha, além de cortes nas verbas sociais, que acabam atingindo automaticamente a juventude. Quando se corta investimento em educação, em saúde pública, em trabalho decente, impacta-se a juventude. É um segmento que tem demandas que impactam no desenvolvimento econômico e social dos países e não pode mais ser pensado como futuro, como o que está por vir. Esta juventude é isso tudo agora.

Quais são as principais demandas da juventude hoje?
São demandas muito fortemente ligadas ao desenvolvimento integral. O modelo de desenvolvimento colocado como hegemônico nos últimos 20 anos não garantiu os
 
“A violência é uma questão de saúde pública, uma grande questão nacional”
direitos da juventude; foi deixando a juventude à margem. Negou acesso à educação e ao trabalho de qualidade; abriu as portas para a precarização, para o subemprego, para o trabalho escravo, para a ausência de investimentos em saúde pública, em cultura. Hoje, no Brasil, já avançamos um pouco. Mas quando olhamos para mundo, vemos que esse jogo ainda é muito desigual. Uma parte teve acesso até há pouco tempo e parou de ter, pelo agravamento da crise; outra parte nunca foi considerada por seus estados nacionais. Unifica a juventude um projeto de desenvolvimento que tenha a sustentabilidade no centro, que tenha o Estado como indutor do desenvolvimento, como garantidor de direitos, que erradique a pobreza e promova a democracia, para que a juventude possa participar das decisões. Vemos muitas situações de violência que envolvem a juventude em todo o mundo. Nos países em guerra, os jovens é que vão para as frentes de batalha e que voltam com sequelas (perdas de membros, problemas psicológicos terríveis); é a parcela que mais adoece. Mesmo nos países que não estão em guerra, como o Brasil, a violência é uma questão de saúde pública, uma grande questão nacional.

Em que sentido?
Temos um grande contingente de jovens mortos por homicídio, todos os anos. Foram 50 mil jovens mortos em 2010. São temas relevantes que os Estados nacionais precisam abraçar. Não é um problema que diz respeito somente à pessoa que perdeu a vida; tem impacto familiar, na comunidade, impacto nacional.

Quem são os potenciais parceiros das causas da juventude? Onde se encontram iniciativas relevantes?
Temos uma relação muito próxima com os países da América Latina. São nossos irmãos, estão passando pelas mesmas dificuldades, estão no mesmo estágio que nós. São governos progressistas eleitos há pouco tempo, construindo ciclos de ausculta do Estado para demandas sociais, onde se incluem as demandas da juventude. Também há potenciais parcerias com países que não estão na América Latina, mas que também estão em desenvolvimento, como Índia, China, Rússia e África do Sul, além de outros países africanos. Partem da mesma situação que a gente, precisam equilibrar o crescimento econômico com a diminuição da desigualdade e a preservação do meio ambiente. Não deixamos, claro, de dialogar com outros países que já têm um histórico na área de políticas de juventude, como os países europeus — que estão passando por dificuldades agora por não conseguirem sustentar seu estado de bem estar social devido ao agravamento da crise.

Como lidar com os resultados da Rio+20?
Temos convicção de que a Rio+20 não acaba aqui. Esses dias são efervecentes, enriquecedores, inquietadores, mas o que vale são seus desdobramentos. Esses compromissos envolvem sociedade civil organizada, governos, organismos multilaterais, todos que estão aqui. Você não passa pelo mesmo rio duas vezes: nem o rio é o mesmo, nem você é o mesmo. Ao final da Rio+20, não se pode tocar a vida como se nada tivesse acontecido. As mudanças nos padrões de consumo, na forma como nos relacionamos com a natureza e com os nossos próprios governos — na cobrança por políticas públicas — têm que ser alteradas de alguma forma. (A.D.L.)
*Fonte: Revista RADIS

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