sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

‘Saúde é pré-requisito para desenvolvimento econômico’

O economista norte-americano Jeffrey Sachs foi uma das vozes dissonantes ao final da Rio+20: em vez de engrossar o coro dos descontentes com o documento final da conferência, disse estar satisfeito com o resultado da negociação entre os países. Conselheiro do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, ele viu os chefes de Estado aprovarem no Rio uma de suas sugestões: a criação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ver matéria na pág. 21). Diretor do Earth Institute e professor de Desenvolvimento Sustentável e Políticas de Saúde na Universidade de Columbia, Jeffrey Sachs já foi apontado pelo New York Times como “possivelmente o economista mais importante do mundo”. Para ele, saúde deve ser vista como parte do desenvolvimento sustentável.

Jeffrey Sachs | Foto: Marina Boechat
 
Como avalia o documento final da Rio+20?
Estou muito satisfeito com a adoção do conceito de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que devem ser uma importante forma de conscientizar e mobilizar o mundo para agir. Eles funcionarão no mesmo molde dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, também uma chamada global à ação, voltada a combater a pobreza extrema. Embora longe de serem perfeitos, os ODM cumpriram seu papel: nenhum país precisou se comprometer legalmente a fazer qualquer coisa, ainda assim conseguimos incentivar governos e sociedade a se concentrar mais na pobreza.

Como esses objetivos serão definidos?
A ideia é que sejam estabelecidos até setembro de 2013, quando a comunidade internacional se encontrará na Organização das Nações Unidas para a revisão final dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Eles devem estar baseados em quatro pilares: eliminar a pobreza extrema; levar a uma sociedade sustentável, com baixa emissão de carbono e produção sustentável de alimento, por exemplo; promover uma sociedade de inclusão, que lute contra a desigualdade; e incentivar a boa governança para o desenvolvimento sustentável.
                                                                                                                                                    
A inclusão do combate à pobreza foi apontada como o principal avanço do documento da Rio+20. Como vê a prioridade dada a esse ponto?
A prioridade dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável deve ser eliminar a pobreza extrema. Essa meta deve estar acima das demais, é a mais urgente. As pessoas que vivem em um estado de extrema pobreza lutam por sua sobrevivência todos os dias. Mais de sete milhões de crianças morrem todos os anos porque não têm acesso ao básico: alimentos, medicamentos, vacinas. Isso é inaceitável. Além disso, estou extremamente preocupado com a possibilidade de as mudanças climáticas reverterem os ganhos de redução da pobreza, já que a maioria dos pobres do mundo vive em ambientes hostis. Os que mais sofrem são aqueles que moram em lugares secos, os piores para serem habitados, onde é difícil cultivar alimentos e conseguir água potável. O clima está tornando esses lugares ainda mais secos. Se vamos realmente tratar da pobreza, temos que tratar das mudanças climáticas. Se vamos tratar dessas mudanças, temos que assegurar que os pobres tenham acesso às tecnologias — bombas d’água, eletricidade.

Os militantes da Anistia Internacional criticaram o pouco destaque dado aos direitos humanos no documento, inclusive com a exclusão dos direitos reprodutivos das mulheres. Como vê essa questão?
A filosofia central de tudo que nós estamos fazendo é a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela é o espírito das Nações Unidas, afirmando que todo indivíduo tem direito a não somente liberdade política e civil, mas também às necessidades básicas — cuidados de saúde, água, educação, moradia etc. Acredito que a visão dos direitos humanos permeia todo o documento da conferência, com menções por exemplo à inclusão social, um pilar importante do desenvolvimento sustentável. Quanto aos direitos reprodutivos, sabemos que muitos governos detestam esse tópico. Bispos, padres e outros líderes religiosos são muito resistentes, e nossos políticos geralmente não são os mais corajosos. Isso é gravíssimo. Eu trabalho em países muito pobres, onde as mulheres não têm acesso ao planejamento familiar e têm seis ou mais filhos sem condições de sustentá-los. Eles, então, não conseguem ter boa educação, boa alimentação, bons cuidados com a saúde. Os lugares com alta taxa de fertilidade não alcançam o desenvolvimento econômico. Assim, países pobres pagam um preço muito alto pela falta de acesso ao planejamento familiar.
 
“A prioridade do
desenvolvimento
sustentável deve
ser eliminar a
pobreza extrema”

De que forma associa desenvolvimento sustentável e políticas de saúde, fazendo uma interface entre essas duas áreas, como pesquisador?
Eu não trabalhava com saúde até 1995, quando passei a olhar para a África, com as epidemias de aids, malária e tuberculose. Comecei a me perguntar como poderia fazer meu trabalho como economista quando tantas pessoas estavam doentes e morriam em larga escala. Então compreendi que a saúde é um pré-requisito para o desenvolvimento econômico, não apenas um resultado. Os problemas do mundo não se encaixam na maneira com que classificamos o conhecimento. Dizer a um economista que ele pode estudar economia e não ajudar a diminuir a pobreza, faz algum sentido, mas dizer a um economista para resolver o problema da pobreza e não pensar em saúde, é impossível. (Bruno Dominguez. Tradução: Márcia Krengiel)

*Fonte: Revista Radis

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