quarta-feira, 22 de maio de 2013

A lei no país dos flanelinhas

Voltando de Corumbá, Mato Grosso, onde participou de um simpósio sobre a “Biodiversidade dos cerrados brasileiros e suas semelhanças com as savanas africanas”, Florentino Vereda deu uma paradinha em Brasília antes de pegar a reta do Jalapão, nos confins do Tocantins olhando para aquelas serras estranhas do Maranhão. Precisava rever certa parenta que mora na cidade satélite de Taguatinga e, também, dar uma espiada pelos vários cenários da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes. Andou pelo Congresso, esticando as pernas pelos tapetes do Senado e da Câmara, foi até a sede do Supremo, que ele considera o mais bonito palácio projetado por Niemeyer e, por acaso, encontrou num de seus salões o Ministro Joaquim Barbosa de quem ganhou o autógrafo, o que lhe deixou feliz da vida. Nos dias que passou por Brasília acompanhou, nas altas e baixas esferas,  essa discussão sobre a redução da maioridade penal, como reflexo dos crimes que vêm acontecendo lá fora (vê o caso do Starks, o garoto americano de apenas  5 anos)  e no Brasil, envolvendo crianças e  adolescentes. A partir deste mote, mestre Vereda andou fazendo algumas reflexões que esta semana caíram na minha bacia das almas: 

“– O senhor sabe do que está sendo acusado, Sr. Starks?

- Não senhor.

- Consta dos autos que o senhor atirou na sua irmã e a matou.

- Eu estava querendo mostrar a ela o presente de aniversário que papai me deu. É mais bonito que a Barbie dela.

- O senhor tem algo a declarar antes de ouvir a sentença?

- Eu quero minha mããããe...

O assunto do momento por estes cerrados do Brasil é a redução da maioridade penal. Tenho ouvido pessoas defendendo apaixonadamente a prisão para maiores de 16 anos. Não poucos acham que até mesmo crianças deveriam estar ao alcance das leis, como se adultos fossem. O Sr. Starks mora nos Estados Unidos da América. Tem 05 (CINCO ANOS) de idade e – com um rifle que recebeu de presente dos pais no aniversário de QUATRO ANOS -, matou a irmã de dois. Dependendo de alguns brasileiros mais exaltados, estaria sendo julgado por assassinato e condenado à morte. No Kentucky, onde vive com a sua família – agora filho único – as autoridades ainda não sabem a quem responsabilizar, pois, segundo o delegado da cidade Cumberland, ‘todas as famílias do Kentucky têm armas em casa’.

Esta semana um vereador daí de Natal propôs a pena de morte para crimes hediondos. Lembro-me de quando a Alemanha invadiu a França e os vereadores de Mecejana, no Ceará, declararam guerra às potências do Eixo, antes que o Brasil se manifestasse a respeito. Óbvio que não deu em nada, mas entraram na história, embora de forma ridícula. O mesmo poderá acontecer ao pobre edil que, como parlamentar, deveria saber mais do que  ninguém, que a pena de morte sequer pode ser discutida, já que é cláusula pétrea da nossa Carta magna. Não creio que ele esteja apenas querendo aparecer, mas, se acha que a ideia é boa, talvez possa ser discutida nos bares da vida.

Quem entende de leis é o advogado, mas eu, mesmo sem sê-lo (humilde botânico) arrisco-me a meter o bedelho. Vamos aguardar que o nobre vereador defina o que – na opinião dele – é um crime hediondo. Talvez sejam os desvios de verbas públicas que fazem falta nos hospitais onde os pobres coitados morrem aos montes, anônimos e solitários. Seria conveniente, igualmente, definir o verdadeiro culpado de um crime, e onde o delito se inicia. No caso do Sr. Starks: se é o pai dele ou a sociedade que estimula o uso de armas de fogo, com indústrias que produzem carabinas especificamente para crianças, vendendo-as como se fossem bicicletas ou bonecas. 

Aos adolescentes brasileiros, poderíamos perguntar o que foi feito por eles nestes 18 anos, desde que a “esquerda” assumiu o poder prometendo reparar “tudo isto que aí está”. Que tipo de escola pública lhes foi oferecida. Talvez, se tivessem sido mais bem orientados, não teríamos bandos de “flanelinhas” nas calçadas e “malabaristas” nos semáforos. Ou, pior ainda, bandidos e usuários do tráfico.

Ainda não está longe a polêmica sobre a criminalização da palmada do pai ou da mãe no filho mal criado. Foi uma celeuma enorme e rendeu muitos pontos no Ibope das emissoras de TV. Uns alegavam a extrema crueldade de um tapa na bunda, pois bunda foi feita para rebolar nos programas de TV. Outros defendiam o caráter corretivo da punição imposta ao, digamos, delinquente infantil.

Vejamos então o assunto pelo conceito de crime e castigo. Creio que qualquer prática contrária às leis e aos costumes deve ser considerada crime, mesmo que de menor gravidade como, por exemplo, cruzar o sinal vermelho. No caso do garoto americano, o fato, embora grave, parece corriqueiro, já que a sociedade aceita o uso de armas de fogo por quem mal abandonou a chupeta. E o castigo, salvo melhor juízo, deve ser proporcional ao crime cometido; jamais um objeto de vingança. Sou um dos sobreviventes de um período em que meninos apanhavam dos pais. Na escola cheguei a levar alguns “bolos” da palmatória da professora, quando errava a tabuada. Essa era uma prática comum, hoje felizmente extinta. Os que estudavam e tiravam boas notas, recebiam prêmios. Simples, não? Embora um tanto cruel.

Mas a vida é cruel ou, melhor dizendo, “a vida é dura pra quem é mole”. É a teoria do sofrimento antecipado. Um castigo moderado na criança evita punições mais rigorosas ao adulto. Além de ser proporcional ao delito cometido, uma punição deve ter alguns objetivos primordiais. Reparar o dano ou prejuízo eventualmente causado pelo infrator, evitar a continuidade da prática delituosa e trazer de volta ao seio da sociedade aquele que, por circunstâncias as mais diversas, dela se distanciou. Educação não se ensina somente em casa, mas, principalmente, na escola. Tentar reparar, de forma pontual e imediatista, as deficiências que o sistema criou ou permitiu que se alastrassem, não resolverão o problema.

É hora de se discutir o modelo de sociedade que haveremos de deixar para os nossos netos. Pois para os nossos filhos, se depender de alguns legisladores de hoje, já não há salvação, senão a cadeia, ou, quem sabe, a morte.”

Poesia
“Eu também gosto/ De permissividade,/ Garotada./ Mas, aqui entre nós, / E na alminha,/ Não vai nada?” (De Millôr Fernandes, em “Poeminha Pruma Época de Extrema Exacerbação Sexual”, do livro Poemas, selo da L&PM, Porto Alegre, 1984).

*Woden Madruga (Tribuna do Norte)

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