sexta-feira, 8 de junho de 2012

Calazar em Mossoró


Dois dias após publicação pelo blog de Carlos Santos de informações acerca dos problemas relativos ao diagnóstico de calazar em cães feito pelo poder público, em 26 de fevereiro do ano corrente, foi veiculada pela imprensa escrita e televisiva que os exames procedidos nos inquéritos caninos são quase que infalíveis. Pois bem, digo mais uma vez que não são tão precisos assim.
No primeiro texto publicado nesse blog falou um veterinário com uma visão de sua observação diária. Partindo da premissa que falatório sem ciência não se justifica, fui à busca dela. Fiz uma breve pesquisa de artigos científicos relativos a esse diagnóstico de calazar canino e dentre tantos encontrados me deparei com um que me chamou atenção, e que com certeza, também deixarão os caros leitores com os cabelos em pé. De antemão quero avisar a todos que não tenho a intenção de gerar polêmica; busco apenas elucidar minhas dúvidas, as quais com certeza são de muitas pessoas.
O título do artigo é dentro exatamente dessa problemática: “Testes laboratoriais realizados em cães sororreativos para Leishmania eutanaziados pelo programa de controle da leishmaniose” publicado na revista Veterinary Parasitology* em 2011 e realizado por uma equipe da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC). Nesse estudo realizado no município do Rio de Janeiro, 155 cães positivos para calazar pelos mesmos testes sorológicos, feitos em todo Brasil, foram sacrificados como manda o Ministério da Saúde (MS). Antes e após a morte desses animais foram coletados amostras de sangue, pele e baço para realização de quatro exames (repetição de Elisa e Imunofluorescência Indireta, Cultura do Parasita e PCR) para saber se morreram cães realmente contaminados. A conclusão desse trabalho foi: “ ... Nossos resultados mostraram que 59% dos cães foram negativos para os quatro exames realizados e foram desnecessariamente eutanasiados quando a decisão foi baseada em um único teste sorológico....” Isso se deveu, principalmente, a reação cruzada com outros agentes. Esses também circulam em Mossoró.
Essa informação é importante e bastante preocupante, haja vista, que dados da prefeitura de Mossoró informam que foram eutanasiados 599 cães só em 2011. Ainda não é possível saber se vivenciamos uma situação similar àquela exposta nessa pesquisa. Merece atenção dos pesquisadores da área de nossa região.
Na contramão dessa pesquisa e dos passos básicos para o diagnóstico da doença, informações contidas no Jornal Gazeta do Oeste do dia 28 de fevereiro último relatam, entre outras coisas, o sacrifício de cães baseado apenas em sinais clínicos. Isso piora a situação. Nós veterinários de pequenos animaissabemos que muitas doenças podem apresentar sintomas semelhantes com o calazar. Fica o alerta.
Embora saiba que negar o sacrifício de cães como forma de controle de calazar em humanos não vai modificar esse procedimento antigo, cumpro minha parte de advertir para ajudar a opinião pública a ter um posicionamento perante o assunto e que comece a reivindicar as medidas que serão realmente eficazes para diminuir a incidência dessa enfermidade em pessoas deixando de achar que levar animal ao sacrifício abole-se o risco de contaminação. Lembre: levou o cão, mas o mosquito transmissor ficou.
As estratégias de controle trabalham de trás para frente. Só fazem o controle químico do mosquito vetor quando se tem um caso humano. Não entendo porque não se faz isso independente dos casos humanos de maneira periódica. É muito estranho entender essa conduta. O abate de cães é feito com eficiência, mas a maioria da população não se pergunta sobre a presença do mosquito já que ali a prefeitura diz que há um cão doente. É a falta de educação ambiental em escolas e meios de comunicação em geral nos moldes feitos com o dengue que não instrui a população sobre a verdadeira problemática. A maioria dos proprietários de cães ficam crentes que o risco acabou quando leva o animal. Grave engano.
Foi nesse contexto que foi publicado o artigo “Quanto é efetivo o abate de cães para o controle do calazar zoonótico ¿ Uma avaliação crítica da ciência, política e ética por trás desta política de saúde pública”, publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical** em 2011, pelo Dr. Carlos Henrique Nery Costa, concluindo que “uma vez que não existem evidências de que o abate de cães diminui a transmissão de leishmaniose visceral, este programa deve ser abandonado como estratégia de controle. São levantadas as implicações éticas acerca da distorção da ciência e sobre a eliminação de animais na ausência de mínima ou nenhuma evidência científica.”
Essa conclusão do Dr. Nery faz sentido analisando os números apresentados em Mossoró, quando se tem a quantidade de cães sacrificados em 2011 frente aos 23 casos humanos do mesmo ano; faz pensar qualquer um sobre a real importância dos cães na transmissão ao homem, pois na minha opinião não seria absurdo pensar que tivesse mais pessoas acometidas com tantos cães servindo de reservatório no município.
Por sua vez, enfatizo novamente que não discuto os procedimentos da prefeitura quanto ao sacrifício de animais soro reagentes, pois são seguidas normas do MS. O último está bem atento ao cão doente, pois já viabiliza nova metodologia baseada em teste rápido feito na própria residência, contudo o alvo principal continua sendo encontrar cães doentes em detrimento do controle do mosquito.
Importante frisar, mais uma vez, que no momento da entrega do exame ao cidadão que seja feita não somente com uma prancheta e uma breve comunicação que o cão deve ser recolhido. Essa situação é muito relatada por proprietários angustiados. Deve-se entregar o resultado do exame impresso, explicar e  facultar ao dono a busca por uma nova avaliação de um veterinário dando o prazo dos 15 dias como reza a recomendação do MS. Entendo a questão de falta de recursos humanos para realizar essas atividades com a necessidade de dar celeridade no processo, mas o cidadão não deve ser vítima disso. É de suma importância também que se entregue resultados negativos para dar a oportunidade de vacinação, pois o próprio governo, através do Ministério da Agricultura, permite a comercialização da vacina por ser realmente eficaz. Não se pode podar do cidadão uma forma de evitar a contaminação de seu pet. Poderia se fazer a comunicação dos exames não reagentes via correio eletrônico.
Por fim, espero que a população participe do Fórum sobre o assunto que será promovido pela ONG DNA, o qual será de grande valia para que todos exponham sua ideias, angústias e desejos de mudanças frente às atuais práticas. Será no dia 08 de Junho no auditório Cônego Amâncio Ramalho da UFERSA.

Klívio Tomaz
Médico Veterinário do Hospital Veterinário da UFERSA

Um comentário:

  1. Excelente explicação !!! Não há combate ao mosquito. Querem acabar com o calazar sacrificando cães. É um absurdo. Passei a desconfiar desses exames desde 2008 ou 2009, não me recordo bem, quando mais de 50 cães foram levados do bairro onde moro porque segundo o CCZ estavam com calazar. Mas onde estavam os resultados dos exames?? Simplesmente parava a carrocinha com uma lista de nomes de cachorros e levava o "doente". Na época, quem fez outro exame comprovou que o cachorro não estava doente. Mas muitas pessoas apenas entregavam seus animais para o abate.

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