Dois dias após
publicação pelo blog de Carlos Santos de informações acerca dos problemas
relativos ao diagnóstico de calazar em cães feito pelo poder público, em 26 de
fevereiro do ano corrente, foi veiculada pela imprensa escrita e televisiva que
os exames procedidos nos inquéritos caninos são quase que infalíveis. Pois bem,
digo mais uma vez que não são tão precisos assim.
No primeiro texto
publicado nesse blog falou um veterinário com uma visão de sua observação
diária. Partindo da premissa que falatório sem ciência não se justifica, fui à
busca dela. Fiz uma breve pesquisa de artigos científicos relativos a esse
diagnóstico de calazar canino e dentre tantos encontrados me deparei com um que
me chamou atenção, e que com certeza, também deixarão os caros leitores com os
cabelos em pé. De antemão quero avisar a todos que não tenho a intenção de
gerar polêmica; busco apenas elucidar minhas dúvidas, as quais com certeza são
de muitas pessoas.
O título do artigo é
dentro exatamente dessa problemática: “Testes laboratoriais realizados em cães
sororreativos para Leishmania eutanaziados pelo programa de controle da
leishmaniose” publicado na revista Veterinary Parasitology* em 2011 e realizado
por uma equipe da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e do Instituto de Pesquisa
Clínica Evandro Chagas (IPEC). Nesse estudo realizado no município do Rio de
Janeiro, 155 cães positivos para calazar pelos mesmos testes sorológicos,
feitos em todo Brasil, foram sacrificados como manda o Ministério da Saúde
(MS). Antes e após a morte desses animais foram coletados amostras de sangue,
pele e baço para realização de quatro exames (repetição de Elisa e
Imunofluorescência Indireta, Cultura do Parasita e PCR) para saber se morreram
cães realmente contaminados. A conclusão desse trabalho foi: “ ... Nossos
resultados mostraram que 59% dos cães foram negativos para os quatro exames
realizados e foram desnecessariamente eutanasiados quando a decisão foi baseada
em um único teste sorológico....” Isso se deveu, principalmente, a reação
cruzada com outros agentes. Esses também circulam em Mossoró.
Essa informação é
importante e bastante preocupante, haja vista, que dados da prefeitura de
Mossoró informam que foram eutanasiados 599 cães só em 2011. Ainda não é
possível saber se vivenciamos uma situação similar àquela exposta nessa
pesquisa. Merece atenção dos pesquisadores da área de nossa região.
Na contramão dessa
pesquisa e dos passos básicos para o diagnóstico da doença, informações
contidas no Jornal Gazeta do Oeste do dia 28 de fevereiro último relatam, entre
outras coisas, o sacrifício de cães baseado apenas em sinais clínicos. Isso
piora a situação. Nós veterinários de pequenos animaissabemos que muitas
doenças podem apresentar sintomas semelhantes com o calazar. Fica o alerta.
Embora saiba que
negar o sacrifício de cães como forma de controle de calazar em humanos não vai
modificar esse procedimento antigo, cumpro minha parte de advertir para ajudar
a opinião pública a ter um posicionamento perante o assunto e que comece a
reivindicar as medidas que serão realmente eficazes para diminuir a incidência
dessa enfermidade em pessoas deixando de achar que levar animal ao sacrifício abole-se
o risco de contaminação. Lembre: levou o cão, mas o mosquito transmissor ficou.
As estratégias de
controle trabalham de trás para frente. Só fazem o controle químico do mosquito
vetor quando se tem um caso humano. Não entendo porque não se faz isso
independente dos casos humanos de maneira periódica. É muito estranho entender
essa conduta. O abate de cães é feito com eficiência, mas a maioria da
população não se pergunta sobre a presença do mosquito já que ali a prefeitura
diz que há um cão doente. É a falta de educação ambiental em escolas e meios de
comunicação em geral nos moldes feitos com o dengue que não instrui a população
sobre a verdadeira problemática. A maioria dos proprietários de cães ficam
crentes que o risco acabou quando leva o animal. Grave engano.
Foi nesse contexto
que foi publicado o artigo “Quanto é efetivo o abate de cães para o controle do
calazar zoonótico ¿ Uma avaliação crítica da ciência, política e ética por trás
desta política de saúde pública”, publicado na Revista da Sociedade Brasileira
de Medicina Tropical** em 2011, pelo Dr. Carlos Henrique Nery Costa, concluindo
que “uma vez que não existem evidências de que o abate de cães diminui a
transmissão de leishmaniose visceral, este programa deve ser abandonado como
estratégia de controle. São levantadas as implicações éticas acerca da
distorção da ciência e sobre a eliminação de animais na ausência de mínima ou
nenhuma evidência científica.”
Essa conclusão do Dr.
Nery faz sentido analisando os números apresentados em Mossoró, quando se tem a
quantidade de cães sacrificados em 2011 frente aos 23 casos humanos do mesmo
ano; faz pensar qualquer um sobre a real importância dos cães na transmissão ao
homem, pois na minha opinião não seria absurdo pensar que tivesse mais pessoas
acometidas com tantos cães servindo de reservatório no município.
Por sua vez, enfatizo
novamente que não discuto os procedimentos da prefeitura quanto ao sacrifício
de animais soro reagentes, pois são seguidas normas do MS. O último está bem
atento ao cão doente, pois já viabiliza nova metodologia baseada em teste
rápido feito na própria residência, contudo o alvo principal continua sendo
encontrar cães doentes em detrimento do controle do mosquito.
Importante frisar,
mais uma vez, que no momento da entrega do exame ao cidadão que seja feita não
somente com uma prancheta e uma breve comunicação que o cão deve ser recolhido.
Essa situação é muito relatada por proprietários angustiados. Deve-se entregar
o resultado do exame impresso, explicar e
facultar ao dono a busca por uma nova avaliação de um veterinário dando
o prazo dos 15 dias como reza a recomendação do MS. Entendo a questão de falta
de recursos humanos para realizar essas atividades com a necessidade de dar
celeridade no processo, mas o cidadão não deve ser vítima disso. É de suma
importância também que se entregue resultados negativos para dar a oportunidade
de vacinação, pois o próprio governo, através do Ministério da Agricultura,
permite a comercialização da vacina por ser realmente eficaz. Não se pode podar
do cidadão uma forma de evitar a contaminação de seu pet. Poderia se fazer a
comunicação dos exames não reagentes via correio eletrônico.
Por fim, espero que a
população participe do Fórum sobre o assunto que será promovido pela ONG DNA, o
qual será de grande valia para que todos exponham sua ideias, angústias e
desejos de mudanças frente às atuais práticas. Será no dia 08 de Junho no
auditório Cônego Amâncio Ramalho da UFERSA.
Klívio Tomaz
Médico Veterinário do
Hospital Veterinário da UFERSA
Excelente explicação !!! Não há combate ao mosquito. Querem acabar com o calazar sacrificando cães. É um absurdo. Passei a desconfiar desses exames desde 2008 ou 2009, não me recordo bem, quando mais de 50 cães foram levados do bairro onde moro porque segundo o CCZ estavam com calazar. Mas onde estavam os resultados dos exames?? Simplesmente parava a carrocinha com uma lista de nomes de cachorros e levava o "doente". Na época, quem fez outro exame comprovou que o cachorro não estava doente. Mas muitas pessoas apenas entregavam seus animais para o abate.
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