terça-feira, 24 de maio de 2016

Menos pânico, mais assistência

É para o fim de maio, mês das mães, que Adriana espera o nascimento de Maria Eduarda. Essa não é a primeira vez que ela vive as expectativas de uma gestação: o bebê é aguardado por dois irmãos, um de 11, outro de 16. A “mamãe veterana” estaria tranquila se não fosse um episódio ocorrido por volta da 15ª semana da gravidez. Apareceram algumas manchas vermelhas na pele, junto com febre e ardência nos olhos — sinais que duraram menos de uma semana. A suspeita da nova doença que todos comentavam, por causa da possível associação com casos de malformações em bebês, foi confirmada pelo diagnóstico na Fiocruz: ela havia tido zika.

O desespero e o medo sentidos no primeiro momento deram lugar à esperança e à força de vontade, principalmente pelo apoio recebido da família e dos profissionais de saúde. “Não é que você vai rejeitar um filho por ele ter uma condição diferente, mas não dá para fugir da preocupação: como vamos fazer para cuidar dele? Onde ele vai ser tratado? Quais dificuldades ele vai enfrentar?”, reflete a gestante. Na sala de espera para a ultrassonografia, ao lado de outras mães vivendo a mesma situação, acompanhadas pela equipe de profissionais do Instituto Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Adriana conta como a notícia de que havia tido zika “mexeu” com o seu emocional. “Eu parei de ficar vendo as reportagens sobre o assunto porque estava ficando depressiva”. Ela diz que tudo vai bem com a criança, como mostraram os dois exames de imagem feitos no IFF, mas ainda assim não dá para escapar da ansiedade.

Como Adriana, outras gestantes tiveram que aprender a lidar com a expectativa e o desconhecimento sobre a doença transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti, que pode provocar alterações congênitas no feto — entre outubro de 2015 e meados de março deste ano, houve a notificação de 6.671 casos suspeitos de microcefalia, 907 já confirmados, de acordo com o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde de 19 de março. 

A epidemia de zika congênita desafia o sistema de saúde a garantir o cuidado adequado, da atenção básica à especializada. Entre os dilemas a serem superados na área da assistência, está a dificuldade em fazer um diagnóstico preciso, capaz de diferenciá-la de outras viroses semelhantes, como dengue e chikungunya. Também para profissionais e gestores do SUS, a doença e suas consequências ainda pouco conhecidas, tanto em adultos quanto em bebês, mostram que há muito o que aprender, como apontam os especialistas ouvidos por Radis. Organizar as redes de atenção para oferecer o atendimento necessário exige do SUS a capacidade de responder com rapidez a essa nova demanda de saúde pública, além de planejar estratégias para enfrentar as marcas do zika que devem ser sentidas nos próximos anos.

Cuidados básicos
A maior parte dos sinais variam de pessoa para pessoa e podem até passar despercebidos: febre baixa, dores nas articulações, algum grau de inchaço nas mãos e nos pés. O principal alerta tem sido dado pelas manchas vermelhas na pele, chamadas pelos médicos de exantema, que também não aparecem em todos os casos. “Em si a zika não é uma doença debilitante, que te põe na cama como a dengue, não tem febre alta e não provoca muita dor”, explica a médica Celina Boga, responsável pela Coordenação do Cuidado do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria (Ensp/Fiocruz), que integra a rede de atenção básica da região de Manguinhos, no Rio de Janeiro. Porém, esses sinais que aparentam ser mais “leves” não podem ser desculpa para negligenciar o cuidado. “A zika é uma doença nova, pouco conhecida, e até agora ela tem mostrado que é particularmente cruel com a gestante”, relata.

Ao primeiro sinal, que costuma ser identificado principalmente pelas manchas vermelhas, o doente deve procurar uma unidade de pronto-atendimento. Essa recomendação é ainda mais urgente para as grávidas. “Se a gestante suspeita que está com zika, ela deve buscar imediatamente a equipe de saúde da família, caso esteja vinculada a alguma, ou o serviço de saúde mais próximo de sua área de moradia”, recomenda a médica. Não buscar atendimento ainda é uma prática frequente, principalmente entre adultos e crianças de mais idade, avalia Celina. A estudante Anastácia dos Santos, moradora da Vila Turismo, uma comunidade de Manguinhos, conta que teve sintomas de zika, como febre e manchas na pele, mas não procurou o serviço de saúde logo de cara, com receio da demora. 

Dificuldades no diagnóstico
Até o momento, a oferta de diagnóstico laboratorial é garantida apenas às gestantes com suspeita de zika. Para os demais doentes, a resposta é dada somente pelo exame clínico, de responsabilidade do médico. Esse ainda é um impasse para a assistência e a vigilância epidemiológica. “Como é difícil distinguir clinicamente zika, dengue e chikungunya, é muito provável que uma parcela substancial dos casos notificados como dengue, talvez entre 20 e 30%, sejam na verdade as outras duas viroses”, aponta Guilherme Ribeiro, infectologista da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Centro de Pesquisas Gonçalo Muniz (CPqGM/Fiocruz Bahia).

Segundo o pesquisador, pode ocorrer de pessoas com dengue não buscarem atendimento ou mesmo procurarem tardiamente, o que prejudica o cuidado. “Com a demora, perde-se o tempo de intervenção nos casos de dengue, cujos riscos de evolução para uma dengue grave existem e o tratamento oportuno com hidratação pode mudar o curso da doença”, analisa. Para Guilherme, esse impasse atrapalha a contagem correta do número de casos e apresenta um potencial problema para a condução clínica da doença, seja ela zika, dengue ou chikungunya. “O que tem sido recomendado é que, na dúvida, trate como dengue, porque é a mais grave num primeiro momento”, explica.

O diagnóstico laboratorial se faz mais necessário nos casos de zika congênita (transmitida da mãe para o feto) ou de complicações neurológicas em qualquer idade, pontua Guilherme. “Infelizmente, não temos uma estrutura instalada no país para fazer a confirmação laboratorial”, acrescenta. Atualmente existem cinco laboratórios públicos credenciados para o exame que procura o vírus no sangue ou na urina — localizados nas unidades da Fiocruz no Rio de Janeiro, Paraná e Pernambuco, no Instituto Evandro Chagas (Pará) e no Instituto Adolfo Lutz (São Paulo). Instituições como Fiocruz e Universidade de São Paulo (Usp) trabalham para desenvolver um kit diagnóstico para ser utilizado em larga escala (Radis 161). O desconhecimento gera angústia, conta o médico. “Para a mãe e o pai de uma criança que tem uma síndrome congênita, como a zika, a confirmação traz o benefício de acalmar e afirmar com mais certeza o que causou”, considera. 

Eliane está no quinto mês da gestação de Entoni. Segundo ela, a sensação ao ver notícias sobre zika na TV é apavorante. “Fico de olho se tem foco de mosquito na minha casa e no vizinho, até nas tampinhas de garrafa”, conta. Mesmo não ouvindo muitos relatos de casos em Manguinhos, onde mora, a sensação de perigo está sempre presente. Ela faz o pré-natal no Centro de Saúde da Ensp e recebeu orientações a respeito de prevenção e cuidados para eliminar os criadouros do Aedes e se proteger contra as picadas. Quando vai visitar a família em Duque de Caxias (RJ), onde ouviu sobre muitos relatos da doença, ela usa roupas de mangas longas e não dispensa o repelente, de acordo com orientação médica.

Perto dali outra gestante aguardava para fazer o exame laboratorial de zika, no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (Ini/Fiocruz). O marido havia tido os sintomas quinze dias antes e ela preferiu procurar o serviço de saúde para ficar mais tranquila. Enquanto aguardava, o casal descreveu que a sensação é de pânico. “Não temos uma gestação tranquila”, disse a mãe, que pediu para não ser identificada. O Centro de Saúde, em parceria com o Ini, tem recebido grávidas com suspeita de zika vindas não somente do Rio de Janeiro, mas de cidades vizinhas — as gestantes fazem o exame laboratorial, recebem orientações e, caso seja confirmado que tiveram a doença, são orientadas para o atendimento no IFF.

Numa terça-feira de março, a médica Celina acabara de conversar com uma mãe que tinha suspeita de zika e aguardava o resultado do exame. “Absolutamente apavorada” foi como a médica a descreveu. Segundo Celina, embora não seja uma doença que debilite, a zika perturba emocionalmente as grávidas. “Muitas gestantes chegam aqui assustadas, com informações duvidosas, recebidas em outros serviços de saúde e que não conferem com a verdade”, relata. Para ela, os próprios profissionais encontram dificuldade para lidar com o desconhecimento.

Para superar essa limitação, a médica elaborou um guia instrutivo com orientações às grávidas, para ser utilizado pelas equipes de saúde da família em Manguinhos, especialmente os agentes comunitários. “Tem sido difícil desfazer alguns conceitos que as pessoas já trazem de sua própria história, de sua cultura e da falsa informação”, conta. Pediatra, ela trabalha diretamente com aids, tuberculose e outras doenças infecciosas desde o início dos anos 1990. “A gente tem que admitir que não conhece bem uma determinada situação de saúde pública”, pondera. Mas as perguntas ainda sem resposta, ela considera, não podem justificar o imobilismo.

Segundo a médica, o primeiro passo para enfrentar a epidemia de zika congênita é garantir a oferta de acompanhamento pré-natal. Ela também destaca o papel dos serviços de atenção básica no acolhimento e na condução do primeiro atendimento. De acordo com o Protocolo de Atenção à Saúde e Resposta à Microcefalia associada ao Vírus Zika, divulgado pelo Ministério da Saúde, a equipe de saúde da família deve acolher a gestante com suspeita da doença e suas angústias, dúvidas e medos, com apoio dos profissionais de saúde mental do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf). A ocorrência também deve ser registrada na caderneta ou cartão da gestante.

É a primeira vez de Tatiane na sala de espera do IFF/Fiocruz. Moradora de Piabetá, bairro do município de Magé (RJ), a grávida de 28 anos está no sexto mês da gestação. A zika, constatada por um exame na Fiocruz, ocorreu entre o quarto e o quinto mês. Até agora tudo parece bem com o bebê, mas ainda assim ela espera a confirmação pela ultrassonografia no IFF. O nascimento da menina, que deve se chamar Juliana, está previsto para o início de junho. À espera de respostas sobre a ação do vírus em sua gestação, Tatiane conta que conhece bem essa angústia porque, no início da primeira gravidez, teve toxoplasmose, outra doença que também pode causar malformações congênitas. Para o primeiro filho, hoje com 3 anos, não houve consequências. 

Ainda assim, ela não gosta de acompanhar as notícias sobre zika na TV: “Eu tiro da minha cabeça para não pensar nas consequências da doença”, confessa.
O médico responsável pelo atendimento a essas gestantes é José Paulo Pereira Junior, especialista em Medicina Fetal do IFF/Fiocruz. Ele destaca que, para uma grávida, ter tido zika não significa que o bebê nascerá com microcefalia, condição que afeta o cérebro da criança, que tem o perímetro cefálico (medida da cabeça) menor do que o normal. “É importante dizer que, de todo mundo que tiver a doença, a maioria dos bebês não vai ter nada”, esclarece, a partir de dados de um estudo realizado em parceria com o Ini/Fiocruz e outras instituições. Ainda assim, ele enfatiza que a microcefalia não é a única consequência do vírus zika na gravidez. “Todo mundo fala da microcefalia, mas ela é apenas uma parte do espectro associado à doença”, constata.

Enquanto esperam o exame de ultrassonografia, outras gestantes conversam sobre as sensações da gravidez, comentam sobre os nomes de seus bebês e trocam impressões sobre a ansiedade em relação à zika. Adriana conta que pegou três conduções para sair de Belford Roxo (RJ) e chegar no IFF. Ela diz que não se importa em levar falta no trabalho para vir fazer o exame. “Prefiro largar tudo para não perder o atendimento, porque pelo menos aqui tenho a certeza de que eu estou sendo bem acompanhada”, relata. 


Autor:  Luiz Felipe Stevanim
Revista Radis

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