Caros leitores e leitoras, após a leituras destes textos, tirem suas próprias conclusões e fiquem à vontade para compartilhar.
É preciso enxotar o fantasma da CPMF
A regulamentação da emenda constitucional 29 (EC 29), que definirá os gastos dos municípios e Estados com os serviços de saúde, trouxe à tona um fantasma do brasileiro, o retorno da CPMF (ainda que com outra sigla), e um debate sobre o financiamento do setor.
Precisamos enxotar o fantasma e organizar o debate, pois o "encosto" procura materializar-se na legitimidade indiscutível dos gastos governamentais com a saúde.
A EC 29 estabelecerá o piso de 15% do orçamento dos municípios e de 12% daquele dos Estados para gastos com os serviços de saúde - e também determinará os tipos de gastos. Ocorre que a maioria esmagadora dos municípios e Estados não tem dinheiro, ou seja, este virá do governo federal.
Em tempos de aumento de superavit primário para enfrentar a resistência à redução dos juros e as pressões inflacionárias, a União resiste em gastar e comprometer-se com um gasto contínuo.
Nesse cenário, por que não reeditar a CPMF? Um novo tributo é sempre impopular; nada mais oportuno do que justificá-lo como necessário e inevitável. E assim, a CPMF volta à cena, sob a forma de "encosto" em causa tão nobre.
Os governos estaduais e, principalmente, o federal aumentam a capacidade de arrecadar tributos acima da inflação e do crescimento do PIB há uma década. Porém, alegam não ter dinheiro para cumprir o que fixa a emenda 29.
Para o governo federal, a votação da EC 29 é uma oportunidade de ouro para "matar três coelhos com uma só cajadada". Com o retorno da CPMF a administração:
1) ficaria "bem na fita" com o pessoal da saúde, ao atender à velha -e legítima- demanda da regulamentação da emenda 29 e destinar mais dinheiro à área;
2) ampliaria alianças com parlamentares, que sairão por aí como paladinos da saúde;
3) conseguiria fonte adicional de dinheiro para pagar a dívida interna e cumprir a meta de superavit.
A CPMF é ruim no nascedouro: incide sobre serviços e será incorporada como aumento de custos e de preços. Isto é, o consumidor, independentemente de sua renda, pagará a conta final.
Por se tratar de uma contribuição, e não de um imposto, o governo federal não tem obrigação de reparti-la com Estados e municípios. Poderá direcioná-la ao fundo de estabilização, para remunerar rentistas com base na taxa Selic, como fez de 1997 a 2006 (do total arrecadado no período, apenas 45% destinaram-se aos gastos com saúde).
Algum dinheiro para a saúde há de sobrar: nisso aposta o governo federal para conseguir legitimar o retorno da CPMF.
Garantir recursos estáveis para o financiamento da saúde e coibir desvios são ações de importância indiscutível, mas a inevitabilidade de aumentar tributos é outra história. Não faz sentido o governo afirmar que não tem dinheiro para os gastos decorrentes da aprovação da emenda 29. Tem, sim.
Vejamos de onde poderia sair a verba para a saúde. A cada 0,5% de redução da taxa de juros (Selic), sobram bilhões de reais por ano. Até hoje, o governo federal não cobrou o dinheiro devido pelas operadoras de planos e seguros de saúde quando seus clientes usam a rede SUS. O BNDES aumentou os saques sobre o Tesouro, usa recursos do FGTS e do FAT, empresta a juros de 6% ao ano e paga acima de 10%.
A lista de alternativas à CPMF é longa, e mesmo a imposição de outras fontes fiscais que não incidam sobre trabalho e produção deve ser vista com cuidado. A história dos tributos mostra que os governos costumam onerar não os agentes que deveria, mas aqueles que consegue.
Autora: MARIA CRISTINA SANCHES AMORIM – economista, Professora titular da PUC-SP.
Taxar fortunas para viabilizar a EC 29
A discussão em torno da emenda constitucional 29 e da necessidade de ampliar as verbas para a saúde pública traz mais uma boa oportunidade de reapresentarmos a proposta de uma reforma tributária digna do nome, que torne progressiva a estrutura dos impostos no país.
Para tal desafio, precisaremos implementar alguns instrumentos, dentre os quais vale destacar aqui a criação de um imposto sobre grandes fortunas, heranças e propriedades.
Existem no Brasil, segundo dados de consultorias privadas, 155 mil pessoas com pelo menos R$ 1 milhão prontos para serem investidos no mercado financeiro. Elas compõem a face mais visível de uma riqueza que provavelmente é muito maior do que essa e, portanto, ainda mais concentrada do que os números fazem parecer.
Muito desse dinheiro não paga imposto, ao contrário do salário. Distribuição de lucros e dividendos, por exemplo, são dedutíveis de tributação no Brasil desde 1995. Enquanto isso, o trabalhador que conquista participação nos lucros e resultados da companhia paga IR sobre essa parcela. Está evidente a diferença de critério.
A remessa de dinheiro para o exterior sem tributação -essa faceta misteriosa, mas da qual ninguém duvida, de nossa injustiça fiscal- impede a sociedade brasileira de dimensionar quantos recursos produzidos aqui poderiam melhorar a oferta de serviços públicos e políticas sociais.
Esqueçamos por ora que parte desse cenário deveria compor a crônica policial, se não fosse a existência da lei 9.249/1995, que extingue a punibilidade de crime contra a ordem tributária. É preciso deixar claro que não se trata aqui de perseguir ricos, mas sim de cobrar que façam parte do jogo.
Se os ricos, como se convencionou dizer, de fato não deveriam sentir vergonha de sua condição, então que se apresentem sem os benefícios fiscais de que dispõem, em nome de um país socialmente justo.
É preciso também diferenciar os impostos sobre as atividades produtivas de suas empresas - sim, eles existem- de suas fortunas pessoais. Os primeiros, além de serem distribuídos por toda a sociedade na forma de preços, não são moral e civicamente o sacrifício máximo a perdoar a ausência dos demais.
A saúde pública brasileira precisará, segundo o governo, de R$ 30 bilhões adicionais por ano para viabilizar a EC 29. Uma das fórmulas mais modestas de imposto sobre grandes fortunas, entre tantas já propostas, daria conta do recado: 1,5% de alíquota média anual sobre patrimônios que ultrapassassem 8.000 salários mínimos. Assim, já teríamos o dinheiro necessário.
A recente recusa da Câmara em aprovar a criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS) mostra que a tarefa não é simples. A CSS iria incidir apenas sobre cidadãos que ganham mais do que o equivalente ao teto da Previdência Social (R$ 3.691). Isso representa aproximadamente 5% dos que trabalham.
Embora parte desse público não deva ser considerado rico, a proposta da CSS, de autoria do deputado Pepe Vargas (PT-RS), aponta para o conceito de progressividade tributária. Esse detalhe, nada desprezível, foi ocultado pela imprensa.
Sabe-se que, recentemente, um grupo de milionários franceses e o bilionário investidor norte-americano Warren Buffett vieram a público pedir que seus governos aumentem a taxação sobre eles.
Bondade, espírito cívico? Talvez. Mas a iniciativa sem dúvida mostra que eles sabem ser mais vantajoso ter uma parcela um pouco menor numa sociedade de economia mais dinâmica e com melhores condições de vida.
Autor: ARTUR HENRIQUE - Presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores)